Seo Ok-Ryol
é visto caminhando perto de sua casa
em Gwangju, na Coreia do Sul, em 22 de agosto
(Foto: Ed
Jones/AFP)
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Nascido no Sul, mas soldado do
Norte, ele foi condenado à morte duas vezes e passou três décadas preso. Aos 90
anos, sonha voltar para casa e reencontrar mulher e filhos.
Ele foi condenado à morte duas
vezes por espionagem e passou três décadas atrás das grades na Coreia do Sul.
Agora, aos 90 anos, Seo Ok-Ryol só tem um desejo antes de morrer: voltar para
casa, na Coreia do Norte.
Seo nasceu no Sul, onde tem
família, mas foi soldado e espião do Norte, onde deixou mulher e filhos. Ele
simboliza as divisões da península e a forma como os coreanos foram afetados
pela história.
Magro e encurvado, o ex-espião
caminha com a ajuda de uma bengala. Mas a sua mente é ágil e seus gestos
denotam indignação.
"Não fiz nada de ruim, não
fiz mais que amar a mãe pátria", um conceito que, para ele, engloba o Sul
e o Norte, afirmou à AFP.
Depois de uma cúpula intercoreana
histórica em 2000, Seul enviou ao Norte cerca de sessenta ex-prisioneiros de
longa data, sobretudo soldados e espiões.
Mas Seo tinha assinado uma
promessa de lealdade a Seul para poder sair da prisão, o que lhe conferiu
automaticamente a nacionalidade sul-coreana, e não pôde entrar no programa.
Atualmente, a esquerda sul-coreana
faz campanha pelo ex-espião de Pyongyang e outros 17 presos (um deles de 94
anos) para que possam voltar para casa.
Nascido em uma ilha do Sul, Seo se
tornou comunista quando estudava na prestigiosa Universidade Korea de Seul.
Durante a guerra da Coreia (1950-1953), se juntou às forças do Norte, com as
quais bateu em retirada à medida que as tropas dos Estados Unidos e da ONU
avançavam.
Veneno
Ele se inscreveu no Partido dos
Trabalhadores no poder e trabalhou como professor em Pyongyang até ser enviado
a uma escola de espionagem, em 1961.
"Tive que ir embora sem poder
sequer me despedir da minha mulher", conta.
Enviado para o Sul com a missão de
tentar recrutar um alto funcionário do governo cujo irmão tinha desertado para
o Norte, ele cruzou a fronteira ilegalmente, a nado, e se reuniu com seus pais,
irmão e irmãs.
Mas não conseguiu entregar ao
funcionário do governo uma carta do seu irmão. "Para mim é como se meu
irmão estivesse morto. Disse às autoridades que tinha morrido durante a
guerra", disse o homem, rejeitando a missiva.
Ele não denunciou Seo, apesar de
que os contatos não autorizados com norte-coreanos podiam acarretar penas de
prisão.
Depois do fracasso da sua missão,
Seo ficou um mês no Sul, sempre alerta para esconder o livro que continha os
códigos, até a difusão por rádio de uma série de números que o chamaram de novo
ao Norte.
Chegou tarde ao lugar previsto
para transportá-lo em barco. Tentou ir a nado mas a corrente o levou ao Sul e
foi detido.
"Como espião, devemos nos
suicidar com uma cápsula de veneno ou com armas. Mas não tive tempo".
Durante meses, conta, foi
submetido a interrogatórios, surras, privações de sono e de comida. Finalmente,
um tribunal militar o condenou à morte por espionagem.
Isolamento
Isolado, com escassas porções de
bolinhos de arroz e rabanetes, viu vários espiões e simpatizantes do Norte indo
para a forca.
Em 1963, sua pena foi comutada
porque ele era novato em espionagem e sua missão tinha fracassado. Mas em 1973,
voltou a ser condenado à pena capital, esta vez por ter tentado converter um
preso ao comunismo.
"Ouvi em seis ocasiões as
palavras 'pena de morte' da boca dos promotores e juízes. (...) Minha mãe
desmaiou várias vezes".
Seus pais venderam a casa para
financiar sua defesa, e a pena de Seo voltou a ser comutada, mas morreram antes
de que seu filho fosse solto.
Em meados dos anos 1970, a
política de reeducação dos prisioneiros norte-coreanos aplicada pela ditadura
sul-coreana estava em pleno auge. Os ex-presos afirmam ter sido espancados e
sofrido com os afogamentos simulados e as minúsculas "celas de punição".
Mas ele garante que não cedeu, nem
mesmo quando teve uma infecção no olho esquerdo. "Me disseram para eu me
converter, me prometiam tratamento. Me recusei, dizendo que não podia trocar
minha fé política por um olho".
Perdeu a visão desse olho, mas não
se arrepende: "Minha ideologia política é mais valiosa que minha própria
vida".
Continuar viva
Em 1991, aceitou um acordo e se
comprometeu a respeitar a legislação sul-coreana. Foi libertado sob controle
judicial e se instalou na localidade meridional de Gwangju, bastião da esquerda
sul-coreana, perto de seu lugar de nascimento, com a esperança de poder se
juntar à sua mulher e filhos em uma Coreia reunificada.
Sua fidelidade ao Norte permanece
intacta, assim como seu desejo de uma sociedade "igualitária".
Em seu pequeno apartamento, Seo
justifica as ambições nucleares de Pyongyang com a necessidade de se defender
dos Estados Unidos e do presidente Donald Trump, que considera "um louco
de pedra".
Um total de 25 organizações
lançaram uma petição para deixar Seo, que este ano passou dois meses
hospitalizado por problemas cardíacos, e seus camaradas dissidentes irem
embora.
Anos depois da sua libertação, uma
coreana residente na Alemanha, que viajou a Pyongyang, lhe disse que sua
família continuava viva, mas o desencorajou a entrar em contato para não
prejudicá-la.
Seo não voltou a se casar. Quando
perguntado sobre o que diria a sua mulher se a visse de novo, demora a
responder.
"Eu diria a ela: 'Obrigada
por continuar viva. Senti a sua falta. Não contava com ter que viver separado
de você por tanto tempo".
Por France Presse
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