© ccd Caminhoneiros
que protestaram no Rio dizem que
sofrem
discriminação e que as pessoas acham que eles
servem
apenas para causar engarrafamento
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Mesmo depois de
o governo anunciar um acordo com representantes de caminhoneiros em Brasília
para suspender a greve da categoria por 15 dias, motoristas reunidos desde
segunda-feira em frente à Refinaria Duque de Caxias (Reduc), na região
metropolitana do Rio, continuavam decididos a fincar o pé no local "até
que seja publicado um decreto" cristalizando os termos do acordo.
"Se houver
um decreto, acho que o pessoal vai aceitar. Mas acho que isso é uma estratégia
do governo de desmobilizar a manifestação", disse à BBC Brasil Sandro
Gonçalves, diretor da Associação das Empresas de Transporte de Combustíveis e
Derivados do Estado do Rio de Janeiro, após o anúncio do governo - e as
informações que recebia a todo instante em grupos de WhatsApp de caminhoneiros.
"A categoria informou que vai continuar."
Desde a
segunda-feira, 21, grupos de motoristas se revezam dia e noite na entrada da
refinaria da Petrobras na rodovia Washington Luís, no sentido
Rio-Petrópolis.
Pouco antes do
anúncio, Gonçalves ajudava a descarregar um lote de garrafas de água, cookies
de chocolate e biscoitos salgados enviados por um doador em apoio à greve dos
caminhoneiros no Rio. As doações recebidas ao longo do dia incluíram uma panela
de angu à baiana, outra de sopa de ervilha e uma remessa de ovos cozidos.
No quarto dia
da greve, as paralisações ocorreram em quase todos os Estados do Brasil em
reação à disparada do preço do diesel. Os impactos incluíram a redução da frota
de ônibus em várias cidades, falta de combustível em postos de gasolina,
disparada de preços em postos, o cancelamento de aulas em universidades, voos
ameaçados por falta de combustível, estantes vazias em supermercados e centros
de abastecimento e a interrupção da produção em fábricas.
'Tudo passa
pelo caminhão'
No ambiente
inóspito da entrada da Reduc tarde da noite, cerca de cem caminhoneiros estavam
a postos para impedir a entrada de caminhões-tanque para carregar e distribuir
combustível na refinaria da Petrobras.
O grupo era
heterogêneo, com motoristas sindicalizados ou autônomos, que atuam em setores como
os de transporte de carga seca, de contêineres, de combustível e de caçambas.
Espalhados em
torno de uma fogueira mantida acesa dentro de um latão de combustível
("porque aqui faz muito frio de noite", explicou um motorista), eles
consideravam o movimento um sucesso.
"Estamos
realizados porque estamos sendo reconhecidos", dizia Emanuel Oliveira, de
30 anos, que presta serviço como motorista da Reduc. "O caminhoneiro dorme
na rua, não tem onde comer, dormir, tomar banho, está sujeito à insegurança,
mas ninguém nunca valoriza a gente", desabafou.
"O
caminhoneiro é muito discriminado", reiterava Antônio Carlos Pereira, de
47 anos, que trabalha como motorista desde 1993 e é conhecido por todos como
Ratão. "Na cabeça do pessoal, a gente só serve para atrapalhar o trânsito,
causar engarrafamento. Esquecem que é a gente que leva tudo para dentro da
casa, a comida, a televisão, o conforto. Tudo passou pelo caminhão."
Já sobre os
impactos cada dia mais graves gerados no país pelas paralisações, os
manifestantes respondiam que a alta dos combustíveis afeta todos, não só a
categoria. "Se o povo se conscientizasse, estava todo mundo na rua por
conta própria", disse Pereira.
Trégua
negociada
A baixa rentabilidade
dos fretes, a falta de pontos de apoio nas estradas brasileiras e os preços
altos de pedágios, cobrados mesmo quando o caminhão passa sem carga, eram
algumas das queixas que ecoavam entre os caminhoneiros, culminando com os
sucessivos aumentos do diesel nos últimos meses e cinco reajustes consecutivos
na última semana.
Na noite de
quinta-feira, 24, o governo federal anunciou um acordo com representantes da
categoria para suspender a greve. O pacote anunciado atende parcialmente à
reivindicações da classe. Promete, por exemplo, reduzir a zero a alíquota do
Cide sobre o diesel (só até o fim de 2018); estender o período de redução de
10% no valor do óleo diesel anunciada na quarta-feira pela Petrobras de uma
quinzena para um mês; e passar a fazer os reajustes do preço do combustível de
30 em 30 dias, em vez de acompanhar as flutuações do mercado internacional
imediatamente, de modo a gerar maior previsibilidade no setor.
Além dos
acordos traçados em âmbito nacional, no fim da noite o governador do Rio, Luiz
Fernando Pezão, anunciou um acordo para atender a uma queixa feita por muitos
dos motoristas ouvidos pela BBC Brasil: a redução do ICMS pago sobre o diesel
no Estado do Rio, baixando a alíquota de 16% para 12%, um corte de quatro
pontos percentuais. Com a medida, que segundo Pezão passará a vigorar com um
decreto a ser publicado na segunda-feira, o Rio passa a ter o mesmo ICMS sobre
o diesel que São Paulo.
© Julia Dias
Carneiro/BBC Os grevistas receberam apoio
de moradores
que levaram biscoitos e água
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No protesto em
Duque de Caxias, entretanto, muitos expressavam uma profunda desconfiança em
relação aos governantes e diziam que o movimento ganhara vida própria, com
adesão de caminhoneiros autônomos, não subordinados a associações que entraram
em acordo com o governo, e afirmando uma rejeição a partidos - não estando
ligados "nem à esquerda nem à direita".
Faixas pedindo
uma intervenção militar estavam penduradas em alguns caminhões, e um grupo
erguia um cartaz com os dizeres "Intervenção militar já!!! Ordem e
Progresso".
Caminheiro
autônomo, Victor da Silva Damasio justificava: "O principal objetivo do
movimento é a retirada desse governo comunista que está aí", afirmou.
Diante do argumento de que a política de preços implementada pela atual direção
da Petrobras segue as flutuações do mercado, ele listou uma série de queixas
sobre o governo atual, desde a falta de acesso à saúde e segurança aos
escândalos de corrupção. "Fizeram desse país uma total desordem e aí vão
para a TV falar que estão recuperando a economia e a Petrobras. Enquanto isso,
nós que temos que pagar a conta da roubalheira."
'Não é só pelo
diesel'
Cerca de 70
motoristas do Uber se juntaram à manifestação durante a quinta-feira na Reduc,
usando como palavra-chave nas redes sociais o hashtag #somostodosmotoristas.
"Viemos
lutar junto com eles porque são uma classe discriminada como nós", afirmou
uma motorista que aderiu ao protesto, pedindo para não ser identificada.
"Não estamos aqui só por causa do diesel. O governo precisa de um
tratamento de choque para ver se abaixa o imposto sobre os combustíveis."
Ao longo de
três horas no local, a BBC Brasil presenciou gritarias, correrias e princípios
de tumulto. Um caminhão forçou o acesso à Reduc e quase atropelou manifestantes
que bloqueavam a entrada, levando a tumulto na entrada e a negociação com
funcionários - até que o veículo fosse forçado a sair, ainda vazio, sob um
misto de aplausos e xingamentos.
Pouco depois,
mais gritaria e corre-corre. Um ônibus cheio de passageiros que de repente
parou ao lado do protesto estava sofrendo um assalto. Caminhoneiros cercaram o
veículo e um carro da polícia saiu em perseguição aos assaltantes que fugiram,
seguidos por manifestantes que saíram em carros cantando os pneus e gritando
"pega ladrão".
Os que
assistiam à cena falavam na escalada de violência do Rio como mais um drama que
contribui para a insatisfação da categoria, vítima dos frequentes roubos de
cargas nas vias de acesso ao Rio. Um caminhoneiro que não quis se identificar
contou ter sido refém duas vezes nos últimos dois anos, com o caminhão
carregado de eletrônicos levado para dentro das favelas do Chapadão e da
Pedreira, na zona norte. Ele ficou trancado no baú do caminhão enquanto toda a
carga era roubada.
Houve aplausos
quando chegou mais um carro trazendo doações de biscoitos doces e salgados.
"Resolvemos fazer uma campanha na minha empresa para arrecadar dinheiro
para ajudar os caminhoneiros, e conseguimos juntar R$ 100", contou Luciano
Guedes, dono de uma firma que faz a manutenção de aparelhos de pilates.
Sua mulher, Ana
Rita Ferreira, grávida de sete meses, motivava os motoristas a não desistirem.
"Só vai dar certo se vocês continuarem!", incentivava, tirando
selfies e fazendo vídeos.
Combustível só para serviços essenciais
O bloqueio na
entrada da refinaria só abria exceção para o abastecimento de serviços
essenciais, como das forças de segurança do Rio e de hospitais. Por volta das
20h, um caminhão-tanque chegou vazio - tinha acabado de abastecer a Polícia
Civil de Campo Grande, na zona oeste.
Thiago Correa,
que dirigia o veículo, saudou os manifestantes ao chegar, estacionou o caminhão
na refinaria e em seguida se juntou ao protesto do lado de fora. A exceção
estava sendo feita em sintonia com o protesto. "Estou na luta junto com
todo mundo aqui", explicou.
Perguntado
sobre os transtornos causados pela paralisação, Sandro Gonçalves, da Associação
das Empresas de Transporte de Combustíveis e Derivados do Estado do Rio de
Janeiro, pediu apoio e compreensão à população.
"Quando o
(preço do) combustível está muito alto, isso se reflete dentro das nossas
casas, no nosso arroz, feijão e em todo o resto. Pedimos que toda a população
esteja conosco", disse.
Gonçalves
afirmou que os manifestantes passariam o tempo que fosse necessário na rua, e
se preparava para virar mais uma noite. "Ficar uma semana sem dormir não
vai fazer falta", afirmou. "O problema é quando a gente fica sem
dormir porque não tem dinheiro para pagar as contas."
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